quarta-feira, 19 de junho de 2013

Filgueiras Lima- Divanira Vieira


FILGUEIRAS LIMA

FILGUEIRAS LIMA
 (1909-1965)


Antônio Filgueiras Lima, poeta e advigado, nasceu a 21 de maio de 1909, em Lavras da Mangabeira, Ceará. Em dezembro de 1933 colou grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Estado do Ceará.

Ocupava na Academia Cearense de Letras a cadeira nº 21, fundada por Antônio Sales, a quem sucedeu, e de que é Patrono José de Alencar.

Faleceu na madrugada do dia 28 de Setembro de 1965.



SÍMBOLO DO FIM

Hão de viver-me sempre, na memória,
este crepúsculo e esta despedida.
A beleza da tarde é merencória...
A luz do teu olhar é dolorida...

O sol, num instante último de glória,
beija as rosas vermelhas da avenida.
E morre, entre suspiros, esta história,
que era todo o esplendor da nossa vida!

Tua trêmula voz, dói-me escutá-la.
Na tarde passa uma andorinha leve,
sozinha e triste, pelo céu de opala.

- Adeus, adeus! respondes-me chorando.
Vai-se a felicidade, que foi breve,
como a andorinha que fugiu do bando...


POEMA DA DISTÂNCIA

                 A Stênio Gomes

No coração do espaço
a noite acordou, com a sua mão de sombra,
as notas de ouro das estrelas.
E a imponderável música dos astros
veio descendo,
por uma escada trêmula de luz,
até o chão colorido do jardim.
Todas as rosas cantaram
pela voz ignota dos perfumes...

Foi aqui - eu me recordo ainda! -
que, numa noite assim,
à música sonâmbula das estrelas
recebi tuas últimas carícias!
Na penumbra
              o repuxo, tristíssimo, chorava...
Depois
a poeira violácea da saudade
escreveu, entre nós, o poema da distância...


A CIGARRA E A FORMIGA

Passada a quadra invernosa,
de sofrimento e expiação,
a cigarra desditosa
vai gozar outro verão.

O ouro do sol espadana
pelos vales e campinas.
Toda a terra se engalana
de fulgurâncias divinas.

Que alegria, que algazarra,
aos resplendores do dia!
É que, de novo, a cigarra
fretine, canta, zizia. . .

A burguesa da formiga
vê então que a sorte é vária
Tem inveja da cantiga
da cigarra proletária.

Quem lhe dera aquele canto,
que todo mundo aprecia,
para encher o seu recanto
de música e de alegria!

E, à porta do formigueiro,
onde a fartura se abriga,
ela, passa o dia inteiro
bebendo aquela cantiga. . .

Fala à cigarra - a formiga,
que de vergonha se cobre:
- De nós duas, minha amiga,
eu sou, decerto, a mais pobre.

De que me serve o celeiro
em tempos fartos e bons?
Você, se não tem dinheiro,
é milionária de sons!

E eu negar - oh! que tristeza!
um simples naco de pão
a quem possui a beleza
sonora deste verão.

Que inveja ao vê-la, taful,
cantando, pelo arrebol,
na glória do céu azul,
dentro de um raio de sol!

A cigarra não responde
à vil formiga vulgar.
Porém, no verde da fronde,
põe-se, mais alto, a cantar!


RELÓGIO

Bates, de hora em hora,
e ouço no teu bater alguém que chora.
É o tempo que soluça em tuas cordas,
diante das horas que passam,
sinuosas, trêfegas, volúveis,
deixando um beijo em cada curva
e uma saudade em cada beijo...

Elas dançam
o bailado da ilusão:
rápidas chegam
e, rápidas, se vão,
como sombras que apenas deixam
outras sombras em nosso coração...

Quando te escuto,
ó meu velho relógio de parede,
conta-gotas de horas convencionais,
lamento a tua faina inglória e vã,
porque - bem sei - não poderás jamais,
embora andando e pelejando assim,
medir as horas infinitas
do Tempo que não tem fim.


A ENCHENTE

Era a casa de tijolo, à beira do rio,
a melhor do lugar.

               Na noite preta como o cão
               as águas do rio incharam,
                     cresceram,
                     inundaram tudo
               e continuaram inchando
                     e crescendo sem parar...

A casa ficou perdida no meio do rio
como um navio no alto-mar.
Pequeninas e pálidas estrelas
cobriram o rosto com o lenço das nuvens,
                 com medo de olhar...

               - Eh! canoeiro! socorro!
               - Se a enchente continuar como vai,
               daqui para o dia amanhecer
               a casa cai!

E a voz aflita e lúgubre gemia
no silêncio da noite de agonia.

               - Socorro, canoeiro!
               - Só a canoa "lracema"
               Poderá atravessar.
               Uma canoa pequena
               ainda é pior: pode virar.

...............................................
               - Socorro, canoeiro,
               - Eh! canoeiro, socorro, socorro!

Chuá. . . chuá. . . chuá...
Os remos atassalham o dorso do rio,
e a canoa, que ginga e se embalança,
rasga as águas,
corta o vento,
rompe a treva,
fura a noite
- e avança!

               Da casa que o rio sitiou
               parte um grito de alegria que vale um poema!
                     - É a canoa "lracema"!
                     - É a canoa "lracema"!

- Afinal, estamos salvos,
por causa de nossa fé.
Viva Nosso Senhor Jesus Cristo!
E viva Nossa Senhora,
Santa Bárbara, São Jerônimo,
São Francisco de Canindé!

               Agora, de volta à terra,
               conduzindo os que salvou da enchente,
               a canoa, que ginga e se embalança,
                     corta o vento,
                     rasga as águas,
                     rompe a treva,
                     fura a noite
                     - e avança!
                     E avança!


Página publicada em dezembro de 2008

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